terça-feira, 18 de novembro de 2014

GOSHO: A CARTA DE SADO




“Aquele que escala uma montanha, mais cedo ou mais tarde terá que descê-la. Aquele que despreza o outro será desprezado. Aquele que despreza o outro, por este possuir uma bela aparência, nascerá com uma aparência feia. Aquele que rouba alimentos e roupas cairá infalivelmente no mundo dos espíritos famintos. Aquele que ridiculariza uma pessoa digna que observa os preceitos nascerá numa família pobre e de posição baixa. Aquele que calunia uma família que abraça o ensinamento correto nascerá num lar que mantém visões errôneas. Aquele que ridiculariza quem observa fielmente os preceitos nascerá como um plebeu e será perseguido pelo soberano. Esta é a lei geral de causa e efeito.
No entanto, meus sofrimentos não se atribuem a esta lei causal. No passado, desprezei os devotos do Sutra de Lótus. Ridicularizei também o próprio sutra, algumas vezes com exagero; outras com desdém – esse sutra, tão maravilhoso quanto duas luas brilhando lado a lado, duas estrelas juntas, um monte Hua sobre outro ou duas pedras preciosas juntas. É por isso que eu enfrentei os oito tipos de sofrimento mencionados. Normalmente, esses sofrimentos aparecem um de cada vez e perduram pelo infinito futuro. Porém, Nitiren denunciou os inimigos do Sutra de Lotus de maneira tão voraz que todos os oito sofrimentos se manifestaram de uma só vez. Isso se assemelha ao caso do camponês que tem uma enorme dívida para com o senhor do seu vilarejo e outras autoridades. Enquanto o camponês permanecer no vilarejo ou no distrito, ao invés de pressioná-lo sem piedade, seus credores talvez prolonguem o pagamento ano após ano. Porém, se o camponês tentar ir embora, eles o cercarão e exigirão que pague tudo de uma vez. A isso se refere o Sutra Parinirvana com a frase: “É pelo benefício obtido por proteger a lei.”
O Sutra de Lótus ressalta: “Haverá muitas pessoas ignorantes que o caluniarão e falarão mal de nós, que nos atacarão com espadas e bastões, pedras e telhas...recorrerão aos governantes, ministros, brâmanes, chefes de família e a outros monges e nos caluniarão...seremos banidos repetidas vezes. Se os ofensores não forem atormentados pelos guardiões do inferno, eles jamais conseguirão [pagar por suas faltas e] escapar do inferno. Se não for pelos governantes e ministros que agora me perseguem, eu não poderia erradicar meus crimes passados de calúnia ao ensinamento correto.”
Cenário Histórico
Esta carta foi escrita no vigésimo dia do terceiro mês de 1272, aproximadamente cinco meses após Nitiren Daishonin ter chegado ao local de exílio na Ilha de Sado. Daishonin a endereçou a Toki Jonin, um samurai e destacado serviçal do senhor feudal Chiba, comandante militar da província de Chimosa, a Saburo Saemon (Shijo Kingo), em Kamakura; e a outros fiéis seguidores.
(...)
Na última parte da carta, Daishonin oferece uma explanação abrangente sobre carma, ou destino. Declara que as dificuldades pelas quais passava naquele momento derivam das ações por ele cometidas contra o Sutra de Lotus numa existência anterior. Citando a si mesmo como exemplo, elucida aos discípulos o tipo de espírito e de prática que lhes permitirão transformar o carma. Ele completa dizendo que as pessoas que propagam o ensinamento correto do budismo com certeza enfrentarão oposições que, na realidade, representam oportunidades para transformar o carma. Aos que abandonaram a fé e passam a criticar,  Daishonin adverte que, por essas ações, essas pessoas sofrerão as piores consequências.Ele compara a falta de visão dessas pessoas aos vagalumes que ridicularizam o Sol.”( Coletânea dos escritos de Nitiren Daishonin, volume 1, pgs.324 e 325)



segunda-feira, 17 de novembro de 2014





Gostaria de fazer uma pequena ponderação sobre a palavra “fé”. Quando nos deparamos com este vocábulo, temos a tendência de o associarmos à crença cega em dogmas religiosos. Dogma, no caso, se refere a um conjunto de crenças impostas, para as quais não se admite contestação. Desta forma, a palavra “fé” traz consigo o ranço do fanatismo religioso, da crença cega, em oposição à ciência clara, lógica e precisamente racional.
Sim! Todas as vezes em que refletimos sobre a palavra fé, imediatamente imaginamos o seu oposto: a ciência, a racionalidade absoluta fundada na observação, na análise e no empirismo.
Outro dia, observando o significado que o dicionário confere à palavra fé, me deparei com esta definição: Adesão absoluta do espírito àquilo que se considera verdadeiro.”("fé", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/f%C3%A9 [consultado em 17-11-2014].)
Particularmente, considerei esta definição perfeita, pois difere o conceito de “fé” da aderência à alguma crença religiosa específica e associou o entendimento desta palavra ao conceito de verdade. Logo, fé é a crença ou adesão aquilo que para nós é considerado como uma verdade.
Para se tornar um cientista é preciso ter fé! Não digo fé em uma crença religiosa ou divindade específica, mas é preciso ter fé na ciência, entendendo-a como uma verdade. Para se tornar um advogado ou juiz, também é preciso ter fé. Neste caso, é preciso ter fé na justiça como uma possibilidade de convivência pacífica entre os homens. Para se casar é preciso ter fé nos próprios sentimentos e nos sentimentos da pessoa com quem se casa. Vou além, até para ser um político corrupto é preciso ter fé: a fé na ideia do ganho fácil, passando por cima de qualquer conceito ético. Posso ir um pouco mais além? Até para ser ateu, uma pessoa precisa ter fé: fé de que não existe nenhuma divindade ou ser superior.
Nos tornamos aquilo que acreditamos: a fé na ciência pode formar um cientista, a fé na justiça pode formar um juiz, a fé na educação pode formar um professor.
E você? No que tem fé?




O termo “Itai doshin”, significa: “diferentes corpos em uma única mente”, sendo que Itai traduz-se por “diferentes corpos” e doshin, “uma única mente”. Mas o que seriam diferentes corpos, em uma única mente? Significa a reunião de várias pessoas com o mesmo objetivo, comprometidas na realização de um mesmo projeto, embasadas por um mesmo ideal.
Mas sobre este princípio, seria interessante fazermos duas observações. Primeiro, a aplicação prática do Itai doshin implica na necessidade de se superar as diferenças impostas pela individualidade de cada um, em prol de um objetivo maior. Isto porque, em nossa sociedade, capitalista, individualista e competitiva, somos ensinados a nos compararmos ao outro ao invés de nos unirmos a ele, pois da comparação surge o desejo e do desejo surge a necessidade de se consumir mais, mais e mais. Sendo assim, fomos treinados a nos enxergarmos como indivíduos e não como um grupo, como um povo. Daí as dificuldades da aplicação prática do Itai Doshin, ou seja, a superação dos desejos e vontades individuais em prol de um objetivo que seja bom para todo o grupo. Não é preciso ir longe para observarmos isso, basta pensarmos nas sociedades profissionais, casamentos e grupos financeiros que a todo momento se constroem e se desfazem pela falta do espírito de Itai Doshin.
Outro aspecto interessante a ser observado quando se fala em Itai Doshin é a facilidade que as pessoas têm de se reunirem para a prática do mal e não para a prática do bem. Mas isto se relaciona com o estado de vida básico no qual se encontra nossa sociedade (sobre isso ver a publicação “Os dez estados de vida”.
Aplicando-se o princípio do Itai Doshin ao budismo de Nitiren Daishonin, o objetivo comum buscado é o kossenf-rufu, ou seja, a concretização da paz mundial através da propagação do budismo de Nitiren Daishonin. Este foi o desejo do buda Nitiren Daishonin quando propagou intensamente o Nam-myoho-rengue-kyo, no século XIII, sofrendo toda sorte de perseguições.
Esse ideal nasce da percepção de que a união de várias pessoas com base na fé no Sutra de Lótus é capaz de provocar  uma onda de transformações, elevando o estado de vida básico de nossa sociedade.

O princípio do Itai Doshin nos remete à consciência do “nós” e do poder que emerge das ações realizadas pelo grupo, que mesmo que formado de pessoas com diferentes experiências de vida, sentimentos e pensamentos, é capaz de trabalhar na construção de um projeto em comum.